sexta-feira, dezembro 21, 2012

ver a dois tempos

E quanto mais ela olha, as flores também, mais eu cubro com as mãos o rosto, com as mãos os olhos, fecho-os e reabro-os logo depois reerguendo a cabeça, como se emergisse à tona da água. Sabes, para me proteger do excesso de sentido -Llansol - tive de diluir a memória e o tempo, como as papas cerelac, mais ralas, menos densas. E agora, as tuas palabras, obrigam-me a concentrá-lo, o tempo, a espessá-lo como as papas. E seguro-o nas mãos como de uma granada se tratasse.

segunda-feira, dezembro 17, 2012

ela Olha as árvores, as folhas, as calçadas, as janelas, as pessoas a Cidade.E Olha de novo. Não desiste de olhar, do olhar. Ouvem-se as gaivotas na cidade desde ontem. Trazem-me de volta à vida que imagino ter deixado entre afazeres, obrigações ou outras cobardias.O som das gaivotas no céu branco é a única prova, para já,de que há uma vida verdadeira para lá desta onde respiro a custo.

sexta-feira, outubro 26, 2012

Como se me tivessem arrancado uma parte, um bocado. Sem saber qual exactamente e se volta a crescer essa parte não exacta que falta sabemos, para já, não serem atalhos as vias que escolhemos nem vias sacras tampouco. Mas choraremos sempre o fim das estações e a morte dos poetas.

quinta-feira, julho 05, 2012

Entretemo-nos a imaginar o que a terra podia dar, as cartas que podiamos receber. Enganamos o tempo, mesmo que o sintamos aprazível. Insistimos com a água sobre a terra, alegramo-nos com o pequena flor mesmo sem fruto. Conseguimos em alguns momentos construir a casa ideal onde há açúcar branco, amarelo e até em pó. Conseguimos imaginar o tempo em que ele tenha um uso e as crianças pintem livros de receitas antigos. Imaginamos, imaginamos, porque sabemos que as crianças vão crescer mais rápido que os bolos ou os livros que conseguirmos ler e fazer. 
A melancolia agreste que nos pende de todos os movimentos não é um ponto de vista, a forma como entreolhamos o céu através das folhas das árvores. Ela é o que está no copo para bebermos. E a sede é infinita.

quinta-feira, junho 14, 2012

A inércia tem um peso considerável. Uma pessoa deita-se para descansar um pouco e quando acorda passaram 30 anos.

sexta-feira, junho 01, 2012

Começávamos a aperceber-nos, de forma ténue e ainda não completamente deslindável, que podia haver uma inclinação ou uma predisposição para o perigo como a atracção para o abismo. Não estava sempre presente. Acordava-nos às vezes e impunha-se, mais forte mas menos evidente que o dia. Ocupava-nos, como um pequeno monstro escondido entre as entranhas e, em menos que nada, lá estávamos de novo, no olho do furação. À espera de um braço uma mão uma mãe que nos retirasse a tempo da tempestade. A tempo de acreditarmos. Ainda.

sábado, abril 28, 2012

onde me queres

Se eu fui o arco e tu o ferro que o fez girar vejo uma rua a terminar uma rua a terminar.

sexta-feira, abril 20, 2012

Boris escreveu-me de novo. Disse-me que não me mandou a sua direcção porque não queria que o contactasse. Que eu tinha abandonado a poesia que a tinha trocado pelo negócio de viver. A poesia não suportartá as nossas dívidas nem arranjará os diques que sustêm as águas que chegam a cada estação. Boris não entende isso porque lhe são indiferentes os destinos do mundo.
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Apesar disto sonhei contigo a semana inteira.

terça-feira, abril 10, 2012

o continente do meio

Pode vir a primavera. Ela que já chegou, alguns pássaros e cigarros depois. O ano anterior durou até ao Outono nas suas intermitências e as alterações clímáticas farão cada vez mais a vida negra aos poetas. Já planeámos a viagem, a das palavras primeiro.


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Mas foram quase três luas que encheram o céu. E na sua luz nocturna ficou um lugar inóspito.

sexta-feira, março 16, 2012

Março com granizo

Não quero esta primavera precoce, aguardo algum conforto que venha com as sobras de frio deste inverno. Sinto falta de Janeiro, cheio daquela promessa em que ainda o tempo a galope deste Março não lhe tivesse sucumbido. Sinto falta de Janeiro porque estavas lá. Tu e aquele que se tornou em pai.

terça-feira, fevereiro 21, 2012

Não me esqueço de nós. Mas se a esperança e a alegria abandonaram este campo de onde nem as montanhas vislumbro. Se a noite é deserta e as estrelas apontam ao meu peito uma solidão inomeável, pode a beleza das azedas amarelas resistir sem risos à sua volta? Pode um ponto de encontro existir sem nós e esperar-nos?

quarta-feira, fevereiro 01, 2012

Fugir ao frio de Fevereiro não será tão difícil como chegar ao fim dos dias em que as circunstâncias e as contingências são, se não um castigo ou um prémio, uma prova. Como atravessar o deserto sem água ou um chapéu decente. Atravessar o deserto sem saber se chegar ao fim é melhor que perecer pelo caminho. Atravessar o deserto pelo prazer efémero de respirar e sentir a brisa quente do fim do dia. Vou ficar a ver-te chegar aos planaltos da Anatólia e esperar que os elementos te recebam e sejam para ti suaves.

terça-feira, janeiro 10, 2012

Janeiro com pássaros

Hoje pedi ao pisco de peito ruivo que cantava ao amanhecer que fosse ter contigo, que te acordasse também. O pássaro voltou no meio do dia, pousou sob o sol e a sombra das árvores na cerca do jardim e ali ficou, para que o visse. Pequeno, nervoso.
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Se houver sol nos dias de Janeiro ele traz-nos uma luz como nenhuma outra. Aperto-a bem. Semicerro os olhos com ela como se o solestício não trouxesse esperança alguma ou como se os dias pudessem, de alguma forma inexplicável, não suceder-se como a natureza os programou.

quinta-feira, janeiro 05, 2012

tempo, sempre o tempo

Este ano perdi dois relógios. Não lhes tinha amor porque esse ficou num relógio que perdi a descer uma ravina há uns poucos de anos atrás. Nessa altura ainda o tempo não me fugia de forma descontrolada por isso foi só um objecto com a sua história particular que desapareceu. Perdemos mais coisas entretanto, uma determinada noção da realidade e coisas que nos fogem da vista por momentos e descobrimos que a sua falta nos estangula. Mesmo que seja uma fada. Do Ar.