quarta-feira, dezembro 26, 2007

Um dia chegou uma nova equipa de cientistas. Vinham agasalhados como para as calotes polares. Ao princípio pensámos que fossem turistas para o esqui e estranhámos não saberem que a neve andava instável. Em muito pouco tempo alteraram a bonomia do nosso hospital de campanha/montanha. Agitaram as áleas, os corredores, organizaram vários exames individuais médicos a todos os hóspedes e depois um conjunto de conferências para apresentar e comparar resultados. A equipa médica residente estava vencida, vacilando logo nos primeiros rounds. Tudo isto terminou, como alguns temiam, na mudança dos diagnósticos e prescrições. Ou, no dizer de Otto Springlers, no aperfeiçoamento e aprofundamento do diagnóstico.

quinta-feira, novembro 22, 2007

Aproximadamente um ano a esta parte encontrei S. na beira do rio. Hoje, a esta distância e neste lugar julgo que adoeci por ter abandonado, não por querer mas porque a vida me desobrigou, com a garganta seca aquele lugar, onde ainda veio a balouçar um sorriso teu. Ficou preso à margem, sem conseguir que eu o desamarrasse. Vogando sobre as ondas quase inanimadas, no mesmo lugar. É aí que o encontro, faz-me lembrar o primeiro e um poema do O`Neill.
Aqui podíamos entregar-nos a toda a sorte de pensamentos. A melancolia era permitida, incentivada, reconfortante. Não havia gente a fingir-se feliz e isso, só por si, já era uma enorme felicidade.
Havia o receio de que os rigores do Inverno pudessem isolar a montanha e deixar-nos com menos mantimentos ainda do que a quantidade parca que nos anunciava desde o Verão o agudizar da crise. De qualquer forma tirando um ou outro a tranquilidade do hospital era inquebrável como se um grande urso fizesse os preparativos para o magnífico sono
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quinta-feira, novembro 15, 2007

Para além da caspa e de alguma melancolia persistente os exames não detectaram, até
agora, mais nada. O tratamento deve ser feito aqui e como, lá em baixo,
na cidade, pouco nos espera, aguardamos os bons resultados da prescrição
de Outono. Claro que há passeios que se podem fazer. Organizados ou improvisados, em grupo ou isoladamente. Basta que não nos afastemos muito da altitude e dos ares da Montanha, componente imprescindível do tratamento. Também seria difícil afastar-mo-nos tal é a distância que nos separa das últimas aldeias do sopé.

sexta-feira, outubro 26, 2007

montanha

E aí estávamos, comendo aqueles bolos de arroz com a pasta negra das sementes de girassol desfazendo-se num óleo viscoso e falando de ti entre as passas de um cigarro de mentol. Eram momentos possíveis neste sítio improvável. Como se fosse possível ter chegado a um lugar onde pudéssemos abandonar em permanência a violência do quotodiano. Não um espaço de fantasia mas o espaço em que o tempo não nos viesse inquietar.
Ali estávamos, tão soberanos de nós como qualquer escravo, e, ainda assim, com a mortalidade a espreitar-nos à esquina, num barulho de gato ao respirar, numa articulação mais rija do frio, ainda assim, nesta liberdade por entre sombras, estávamos experimentando a doçura de não pertencer realmente a este mundo. Nem a qualquer outro

quinta-feira, outubro 11, 2007

Decidimos ficar pelo acampamento onde se misturavam alguns doentes, alguns curadores e aquela espécie de seres humanos que acreditam ser sua missão levar a palavra de deus aos outros. A luz de Lisboa nesta altura do ano não é a que gosto mais e na cidade só encontrava testemunhas de Jeová. Desconhecendo a nossa verdadeira doença ficámos como Hans Castorp.

terça-feira, outubro 09, 2007

O sal todo do verão invadiu as artérias e a correntes sanguínea deixando-nos exaustos. Esperámos o pronto-socorro. Recuperamos agora do mau colestrol num hospital de campanha. Há muitos aviões e poucos alimentos. O arroz lembra-nos a Birmânia. Ser um daqueles monges é também um bom caminho para fugir à fome. Como era ir para padre há pouco mais que uma geração.

quinta-feira, agosto 16, 2007

Como o verão puxa mais pelos salgados o meu coração transformou-se numa batata frita de pacote.

sexta-feira, julho 20, 2007

Fizemo-nos inquietos, sim, talvez irremediavelmente. Será tarde para encontrar uma casa? Será tarde para pertencer à cidade? Nela também se agitaram as árvores naqueles dias de ventania. Sabemos porque veio o vento, foi para não deixar nada no lugar.

segunda-feira, julho 09, 2007

o alperce

O fruto caiu do ramo e acertou-me num olho. Quem me manda estar a olhar para o céu quando há tanto que me ocupa aqui na terra?

sexta-feira, julho 06, 2007

A menina romã transformou-se num alperce.
É preciso regressar rapidamente à cidade.

quarta-feira, julho 04, 2007

Seguimos junto ao carril com as ervas altas a roçar-nos as pernas brancas do Inverno. Se é uma viagem há que prosseguir. E, se o cansaço chegar, permitimos-lhe algum tempo mas não o suficiente para nos pormos a duvidar. Tantas dúvidas hão-de fazer soçobrar-nos a moral, quando não for a espinha.
Sabíamos que com o cheiro da terra seca e quente do final do dia, havia de vir também, ao longe, o som mais ou menos indistinto, mais ou menos roufenho dos concertos. Espalhados pelo verão pelas aldeias. A melancolia desses dias futuros inspirava-nos e precipitava em nós o desejo de abandonar a cidade crivada de sons mais distintos e menos roufenhos. Espalhados pelo verão nas varandas dos imigrantes ou dos pobres.

segunda-feira, junho 25, 2007

É uma viagem, seja como for. Agora detemo-nos mais em apeadeiros e plataformas abandonadas às moscas do verão. Há ervas que crescem junto ao carril. Seguimo-lo até à orla mais próxima ou ficamos a balançar os pés no muro da estação?

sábado, junho 09, 2007

Vou sair. Ter com Santo António. Não é que queira casar mas encontrar um milagre que resulte por estes dias.A minha pele está fora de sítio. Sinto-a, desconfortável, despegada aqui e ali, as comichões.A luz começa a ficar abrupta e impiedosa a partir desta altura. Por isso a cidade se esvazia. Aos poucos.
Boris já nao bebe a cerveja checa, o dinheiro mal dá para as portuguesas. Está a tentar escolher ou perceber se a vida é odisseia ou peregrinação.

sexta-feira, junho 01, 2007

Ela sabe. Tem nas mãos uma chave. Entra. Depois do mais difícil a chave desaparece entre as horas em que se perde. Entre as mãos que, nela, iluminam o mais pequeno gesto.
A rua termina noutra rua. Dissolve-se contra um muro como uma onda falhada. Mas há mais direcções a tomar. A rua começa e acaba em encruzilhadas.

sexta-feira, maio 25, 2007

Maio a cair de maduro

A chuva há-de fazer aparecer algumas das promessas mais umas quantas minhocas de baixo de algumas pedras. Não hão-de vir bulir com os desenhos se os houver das calçadas.
Os estaleiros continuam, um pouco abandonados. As fendas das muralhas parecem saradas e prontas para mais uns quantos Invernos.

domingo, maio 20, 2007

domingo, maio 13, 2007

O rio ficou longe e o mar também apesar de o sabermos lá. Agora são as colinas e os vales gentis entre elas que nos enchem o cabelo de vento. Também há orquídeas entre o seu sorriso. Não serão suficientes as flores todas nesta Primavera.

terça-feira, maio 08, 2007

A menina romã sorri por detrás das sardinheiras. Mascara-se de odores todos os dias. É preciso abandonar este permanente compreender. Saber porque saltam as cores para dentro das minhas mãos e porque jorra delas o sangue também. Desço na direcção do rio e subo a colina apesar de não saber ainda onde termina esta rua.

sexta-feira, abril 27, 2007

o tempo suspende-se de novo, o dia de ontem parece ter sido há uma eternidade, apesar das folhas virarem na agenda e as outras já encherem as árvores. O tempo obriga-nos de novo, talvez o tenha feito desde sempre ainda que não soubessemos, ao confronto. Deixo-o vencer já, entrego-lhe a vida e os ossos antes que ele me transforme num saco deles ou sorrio-lhe por cima do ombro. O que vamos fazer um com o outro meu caro?

quarta-feira, abril 18, 2007

11#2

Sim, foi naquela esquina. Fiquei na dúvida, talvez, por alguns minutos, depois dias, se tinhamos sido realmente nós quem se tinha visto. Mais tarde, ainda, lembrei-me que na esquina oposta tinha um dia encontrado, quase da mesma forma, porque aqui confirmá-mo-nos, a pequena M. A cidade ou aquela esquina tem destas coisas.
O mais estranho no teu gesto foi parecer que me esperavas. Assim que puder regresso. Não vai passar outra década.

terça-feira, abril 10, 2007

o onze

Aprendi que o 11 significa a ligação entre o céu e a terra. E já sei porque é que tantas vezes são 11h11 quando olho para um relógio digital.
Entre as sinuosidades do teu nome imiscuiu-se uma terna e portentosa pantera. Seguiu o seu caminho para o sul. "Não troques o que amas pelo que desejas" mandam-me em mensagem a ser libertada dentro de poucos minutos, aqueles antes de nos explodir algo nas mãos, ou na boca, ou no coração. O que estiver mais a jeito.
Estou com um pouco de frio pelas costas apesar dos dias ficarem maiores e aumentarem com eles a nossa esperança.

quinta-feira, março 01, 2007

1º dia de Março

As solas de borracha de boa qualidade foram bem gastas pela cidade. Não voltei a subir e descer ruas. Mas cruzei bastantes. E não há nada como percorrer uma cidade inteira pelos atalhos mais rápidos. Não te encontro. E à medida que o tempo aumenta aumenta com ele a probabilidade de não nos procurarmos, de deixarmos de querer encontrar. Mas ao contrário do que a passagem do tempo faria prever as linhas do teu rosto mantêm-se claras e definidas.

terça-feira, janeiro 30, 2007

Era ruínas e não despojos o que sentia por baixo dos pés. Aquilo que em muitos dias numa cidade como a nossa nos faz esmorecer. É por isso que temos de ir aos sítios por onde passaram menos seres humanos antes de nós. Por isso é que temos de ir até ao mar. Para fugirmos ao peso deste passado espalhado por onde quer que andemos.
Continuarei a descer e subir ruas. Por agora.

sexta-feira, janeiro 19, 2007

Subo e desço as ruas à procura do teu rosto.
Não estás muito longe ainda assim confiar nas hipóteses do destino já me pareceu melhor destino. Esta cidade está tão cheia de passado que sufoco por baixo dos seus séculos e milénios. A estratigrafia bem que podia desaparecer nalguns dias. O nascer do sol ignonar todos os velhos e velhas assomando às janelas tristes e belas. Que poderemos criar entre estes vestígios estes despojos?

sexta-feira, janeiro 12, 2007

o fio da meada

meu amor, deixei de ir até ao rio e à linha do comboio. Como encontrar novamente o caminho ?